Dia 344.2024 – egoísmo?

(Resgate suas forças e se sinta bem, rompendo a sombra da própria loucura/Gravataí 23 graus e chuvinha)

Estrada, sua linda, tão legal e tão traiçoeira, por vezes reta de dar sono, em outras sinuosa feito serpente pronta pro bote. Uma vez indo pra Serra do Rio do Rastro, nós de Kombi e mais dois Fuscas, em um deles estava Joel e a Juliana, casal de amigos, mais a Valentina, filha deles.

Eles viajavam, o Jô e a Jú, de moto. Quando chegamos lá ela disse: “nóssa, tem coisas na estrada que eu nunca tinha visto”. A velocidade que a gente passa de Kombi é totalmente diferente de moto, ou até mesmo em um carro “normal”.

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A percepção é algo interessantíssimo. Em um carro moderno 120km/h é uma velocidade normal. Pra quem está dentro, com todas as facilidades você não tem a noção real de estar a 120, abra o vidro e verá. Andar no carona ou dirigindo também tem diferença. Particularmente prefiro dirigir sempre, não que pense ser melhor motorista, apenas gosto de dirigir. É meio egoísta.

Passando por muitos lugares sempre tem uma placa, um chamado, para conhecer. Um restaurante, um belvedere, tenda, parques, museu disso, igreja daquele, gruta de não sei quem, cachoeira de sei lá onde. Tantas tentações. Tem um Museu militar ao céu aberto em Panambi que já passei inúmeras vezes na frente e nunca parei pra visitar, fica na estrada. Lamentável isso. Foto do Google abaixo.

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Por esse motivo, nessa última viagem, na volta, ao ver uma placa escrito “VIADUTO 13” em Vespasiano Corrêa eu imediatamente saí da estrada. Não estava muito rápido, era uma saída boa e asfaltada. Foi fácil tomar a decisão. Mais devagar, você vê mais.

Cabe um contexto aqui. Ano passado nós estávamos marcados para ir até o Viaduto 13. Várias Kombis. CInco ou seis pelo que lembro. Veio aquela chuva imensa que deixou boa parte da região alagada, com milhares de pessoas sem casas e dezenas de mortes. O caminho que leva até o camping que iríamos ficar foi destruído, nem dava pra chegar na cidade, as estradas também foram afetadas.

Marcamos novamente em outra data e choveu. No café da manhã em Guaporé, cidade que fica uns 30km pra frente do treze, subindo a serra, depois de roubar uma banana do buffet, assim que me virei rumo a porta, vi um quadro, esse da foto abaixo. Mandei pra galera do grupo escrito assim “olha o quadro do hotel, sinais”.

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Só que no dia a dia a gente esquece, escrevi dia desses que tem que anotar tudo, só não pode esquecer onde anotou. A imagem se perdeu no trabalho, na caminhada de fim de tarde, na massaroca que é a vida. Porém quando vi a placa de Serafina Corrêa descendo a serra, eu fiquei com aquilo na cabeça. Pensei, vou botar no GPS pra ver o que dá. Não deu tempo.

Assim que saí da estrada principal vi outra placa “OBRA DE ASFALTAMENTO FEITA POR SEI LÁ QUEM”. Cara que sorte, será que vai estar tudo asfaltado ou boa parte? Porque pelos cálculos que havíamos feito eram 7km de estrada de chão. Foram 900 metros de pavimento e acabou.

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Pensei em desistir umas três vezes, porque não acabava nunca e a sinalização era escassa. Da última vez, eu parei, já desistindo, pronto pra dar meia volta achando que tinha pego um caminho torto, engatei a ré e quando olhei pro lado pra começar a manobra vi uma placa em forma de seta escrito V13. Sinais… são os sinais. Andei mais um pouco e vi outra, agora uma placa mais bonita, turística com distâncias e tudo. Foto acima. Agora vai, e depois de uns 5 minutos comecei a ver o viaduto.

Sensação de vitória.

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Tinha umas 10 pessoas quando cheguei, aos poucos foram indo embora. Eu abismado com a altura daquilo, já andando na ponte. Pensei na hora “deveríamos ter tentado vir novamente antes”. Seria demais. Pensei nos amigos, na família e continuei caminhando. Cruzei por um casal. O cara acenou com a cabeça “Opa”, respondi com um “Opa” também. Passei por outro grupo só de mulheres que ia descer até o rio pra ver se tinha peixe pra comer. 5 minutos e era eu e o TREZE.

São 509 metros de ponte, 143 metros de altura do solo, a cidade fica a quase 700 metros acima do nível do mar. É o viaduto mais alto das Américas e o segundo mais alto do mundo. Lá pelo meio, se você para de caminhar, só escuta o barulho da água que cai nas cachoeiras do que acredito seja o Rio Guaporé ou um afluente menor. Enquanto caminha pisa em pedaços de brita grandes.

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Se acontece qualquer coisa ninguém saberia que estava lá. Se você acha que tive tempo de pensar na vida, de encontrar comigo mesmo, está enganado. Voltei os 500 metros lidando com minha vertigem de altura. Parava pra fazer uma foto e pra posicionar o celular no chão eu me segurava no parapeito. Não é medo de cair, meu medo é de me atirar por conta própria. Parece que tem uma força me puxando. E tem mesmo. Se chama gravidade.

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Ao chegar na boca do túnel que fica bem no fim ou início do Treze, tirei umas fotos e comecei a entrar. Andei até não conseguir ver mais nada pra frente. Uma escuridão profunda, densa. Nem na noite mais escura é assim. Nunca tinha visto algo como aquilo. Novamente as pedras de brita grandes, dificultam a caminhada. Ainda bem que estava de bota. Uns 50 metros e você não vê mais nada pra frente, apenas a luz do dia pra trás. Zero de barulho, um silêncio ensurdecedor.

Voltei pro carro, na saída um casal estava começando a andar na ponte. O sujeito que nunca tinha visto na vida me olha e diz “que coisa incrível né?”. Respondi: “Fantástico… fantástico”.

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