(há tantas formas de se ver o mesmo quadro/Gravataí 29 graus)
“Eu sou trabalhor” disse o rapaz com o colete laranja da Leroy Merlin enquanto segurava a chave de rodas que eu também segurava enquanto pensava se emprestaria pra ele ou não.
Uma pausa no posto de gasolina, me pedi depois de andar apenas 25km na estrada. Logo eu que entro no carro e ando 450 tranquilamente. Hoje menos, desde que comecei a beber muita água. 500ml por hora, uma boa medida. Essa pausa não foi para ir ao banheiro.
Dizem que você não deve fazer algumas coisas quando está irritado. Dirigir é uma delas. Ainda mais quando você está num automóvel de 50 anos de idade que chega aos 80km/h com alguma dificuldade. Dessa forma parei pra comprar uma água e relaxar um pouco. Olhar pros carros me acalma, essa é uma verdade.
Assim que estacionei a Brigitte, veio até a minha porta uma pessoa, me deu “Boa Tarde” (o que é um ótimo começo) e depois pediu uma chave de roda emprestada. Tenho certeza que ele já havia pedido para outros, que negaram. Mas Kombeiro é gente boa, nós somos legais. Eu falei “claro, que carro é?”. Meu interesse era pra saber o tamanho do parafuso. Tipo de roda, porque a chave que eu tenho na Brija deve ser usada em parafusos de ferro, em rodas originais de Kombi. Uma roda mais moderna não aceitaria a ferramenta.
Ele disse que era um Escort. Pelo menos entendi que era. Depois falou “meu carro tá ali do outro lado”. No que respondi “que lado?” dando uma volta com os olhos pelo posto. Ele apontou pro lado da FreeWay dizendo “do outro lado”, “mas eu já te devolvo”.
Nunca mais essa chave vai voltar pensei e disse “báh véi, tu não trazer essa chave de volta” enquanto percebia que ele vestia um colete da Leroy Merlin, laranja avermelhado. Segurando a chave na minha mão, enquanto ele já pegava ela também respondeu: “Claro que vou, sou trabalhador, não sou marginal”. E soltei minha chave de rodas dizendo “beleza, vai lá”.
Na frente da Brigitte, no local destinado aos Ônibus, já que a Kombi em alguns lugares do mundo é conhecida como Volkswagen Bus, havia um banco de madeira, desses que por vezes encontramos nos parques. Sentei ali e fiquei olhando pra Brija. Me acalmei, tirei umas duas fotos, nem pensei se o cara voltaria, entreguei pro Universo e para matemática. Comecei a viajar numas outras coisas, e uns 10 minutos depois aparece o indigitado com a chave na mão, agradecido, dizendo que salvei o dia dele.
Ofereci um aperto de mão, não da forma convencional, fiz como os “brothers” se cumprimentam, como se fosse ajudar alguém a levantar do chão, e encerrei com um “desculpe pela desconfiança”, e na sequência dei um tapa de leve no ombro dele, rapidamente. Porque você só segura o ombro de alguém que você conhece, e só bate forte se não tiver noção ou se ele também for teu amigo. Fica a dica.
Porra, salvei o dia do cara. Na verdade, ele que salvou o meu.